A desigualdade de gênero está presente em todas as relações sociais, inclusive nas de trabalho. Nestas, a própria estrutura hierárquica, que faz com que as trabalhadoras fiquem mais vulneráveis, favorece ainda mais esse tipo de situação. Em um panorama geral, o que observamos é que mulheres ainda ganham menos do que homens pela mesma função, são as primeiras a serem mandadas embora em tempos de crise e instabilidade e são mais vulneráveis a abusos nesse tipo de ambiente. Neste texto iremos tratar de duas condutas que muito afetam o ambiente laboral, bem como a saúde psicológica dessas trabalhadoras: o assédio moral e o assédio sexual.
O Brasil, através do Ministério do Trabalho e Emprego e da Justiça do Trabalho, tem o dever de proteger seus trabalhadores e trabalhadoras. A Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, define discriminação como toda distinção, exclusão ou preferência, que tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão, o que abrange também casos de assédios no ambiente de trabalho.
É importante ressaltar que o assédio se trata, na verdade, de uma demonstração distorcida de poder, seja ele de ordem moral ou sexual.
Assédio Moral
O assédio moral é uma conduta abusiva, frequente e reiterada, que pode se manifestar por meio de palavras, atos, gestos, comportamentos ou de forma escrita, e que humilha, constrange e desqualifica a pessoa ou um grupo, atingindo sua dignidade e saúde física e mental, afetando sua vida profissional e pessoal. Não se trata de uma violência pontual. As ações que caracterizam o assédio são frequentes, reiteradas, reproduzidas pelo assediador por algum tempo. Ele pode ocorrer de forma deliberada ou sutil, isto é, nem sempre a agressão é explícita. Muitas vezes, vem disfarçada na forma de “brincadeiras” ou até mesmo se manifesta pelo simples fato de ignorar a trabalhadora e o que ela diz.
No ambiente de trabalho, é bastante frequente que esse tipo de abuso seja realizado por parte de superiores hierárquicos, ainda que possa ser realizado por pessoas em outras posições, como por colegas ou até mesmo por subalternos. Já a maior parte das pessoas vítimas de assédio moral no trabalho são mulheres, em especial as mulheres negras.
Particularmente falando dos tipos de assédio moral mais enfrentados pelas mulheres, podemos citar o ato de desprestigiá-las em relação aos seus colegas do sexo masculino, que contam com mais oportunidades do que elas, ainda que façam o mesmo trabalho. Outra forma bastante comum e naturalizada é quando se exige uma determinada apresentação estética, como, por exemplo, estar sempre maquiada, de salto alto e que mulheres negras alisem o cabelo. Também é considerado assédio moral a exigência de mulheres que não tenham filhos ou então algum tipo de revista vexatória.
Um dos mais frequentes gatilhos para o início de um quadro de assédio moral ocorre quando houve anterior episódio de assédio sexual negado pela mulher. Insatisfeitos diante da negativa de sua investida, é bastante comum que o empregador ou colega de trabalho inicie uma verdadeira perseguição moral contra a trabalhadora.
Assédio Sexual
O assédio sexual no ambiente de trabalho consiste em constranger a trabalhadora por meio de cantadas e insinuações constantes, com o objetivo de obter vantagens ou favorecimento sexual. Esse tipo de conduta pode ser explícita ou não, e se dar por meio de gestos, comportamentos ou de palavras, e pode até mesmo vir na forma de promessa de favorecimento ou de chantagem, colocando a dignidade sexual daquela mulher em cheque.
Normalmente, ocorre de duas maneiras: por meio da intimidação e por meio da chantagem.
Importante lembrar que o assédio sexual, além de reprovável nas relações de trabalho, é também crime, e a pena pode chegar a até 2 anos de detenção. Para o Direito Criminal, só é possível haver assédio sexual se for cometido pelo superior hierárquico da mulher. No entanto, para a Justiça do Trabalho, pode ser cometido por alguém da mesma posição hierárquica ou até mesmo de posição inferior.
O assédio sexual é mais uma das formas de violência contra a mulher, e no geral, esse tipo de conduta é acompanhada de assédio moral, humilhações e constrangimentos. Note-se que não é necessário, como para o assédio moral, que essa conduta seja repetitiva. Pode acontecer uma única vez.
O que fazer se estiver sofrendo algum tipo de assédio?
O assédio sexual e o assédio moral são situações que, até mesmo por sua característica de continuidade, abalam muito o psicológico das trabalhadoras, sendo mais um fator de afastamento da população feminina do mercado do trabalho. É muito importante que essas mulheres saibam que tem a quem recorrer nesse tipo de eventualidade.
A depender de como funciona a empresa, é possível que se faça uma denúncia no setor de Recursos Humanos ou na Ouvidoria. No entanto, sabemos ser muito difícil que a própria empresa tome atitudes em relação a isso, especialmente porque a maior parte dos empregadores brasileiros são de pequeno porte, o que faz com que sequer tenham esses tipos de órgãos de controle.
O mais interessante é que as mulheres recorram inicialmente aos seus sindicatos. Lá eles contam com advogados dativos que são pagos com o dinheiro da contribuição dos próprios trabalhadores e que realizam esse tipo de serviço sem qualquer custo adicional. Além disso, o sindicato tem normalmente um maior peso institucional para lidar com a empresa ou com o sindicato patronal, se for o caso. A trabalhadora pode também recorrer à Justiça do Trabalho, contratando uma advogada particular também.
Ao acessar a Justiça do Trabalho, a trabalhadora pode ganhar danos morais pelos sofrimentos que lhe foram causados. Se o assédio moral é cometido em massa contra muitos trabalhadores e não é uma atitude isolada contra uma determinada mulher, é possível recorrer ao Ministério Público do Trabalho, que tem competência para fazer uma ação coletiva. Essa ação irá penalizar a empresa de uma maneira mais profunda. Os valores obtidos, no entanto, irão para o Fundo de Amparo ao Trabalhador e não para os funcionários em forma de indenização.
Por fim, a depender das condutas realizadas, é possível inclusive registrar Boletim de Ocorrência e processar criminalmente o abusador. Os crimes mais comuns, que são injúria e difamação, precisam ser levados adiante por advogadas particulares. Mas crimes como ameaça ou assédio sexual podem ser tocados pelo próprio Ministério Público Estadual mediante denúncia e representação da vítima (isto é, a manifestação expressa do desejo de processar o agressor).
Uma das grandes questões quando as mulheres pensam em fazer a denúncia está no fato de que os assédios costumam acontecer às escuras, ou seja, quando a mulher está sozinha com o assediador, gerando grande preocupação em relação às provas. Por isso, é importante tentar anotar os dias em que ocorrem os abusos, as palavras usadas e indicar testemunhas. Como colegas de trabalho nem sempre se sentem seguros para testemunhar contra o empregador, vale dizer que é possível inclusive gravar (com o celular mesmo) esse tipo de abuso (quando for verbal), pois é possível utilizar esse tipo de gravação como prova.
O mais importante é que as trabalhadoras não se constranjam e não se intimidem. Quebrar essa cultura de silêncio e realizar a denúncia é um passo importante para que consigamos mudar a desigualdade de gênero nos ambientes de trabalho.
Por Ana Paula Braga e Marina Ruzzi, advogadas especialistas em direito das mulheres e sócias da Braga & Ruzzi Sociedade de Advogadas.
Muito obrigada pelo texto!!
É exatamente o que nós mulheres precisamos ouvir e saber.
Muito importante a divulgação. É chegada a hora de tirar o assédio do armário!
Obrigada!
Alline
Boa noite,
Muito bom.
Olá! Vocês têm algum correspondente em Brasília?
Oi Larissa. Por enquanto atuamos apenas em São Paulo e não temos correspondentes em outras cidades!
Abraços