Contrato de namoro: o que é e quando fazer?

Imagine a seguinte situação: João e Maria namoram há cinco anos. Eles passam muito tempo na casa um do outro, viajam juntos e todo o círculo social deles sabe que são um casal, embora eles não tenham planos de se casar ou de ter filhos. Com a chegada da pandemia, João e Maria decidem passar o isolamento social juntos, e João acaba vindo morar com Maria. Nesse período, Maria compra um apartamento novo em seu nome. Porém a convivência não dá certo e o namoro termina. Maria é surpreendida com uma ação judicial movida por João, alegando que viveram em união estável e que ele tem direito à metade desse apartamento. E agora?

De uns tempos pra cá, o modelo “tradicional” de família tem sofrido muitas mudanças. Se antigamente um namoro costumava ser seguido de um período de noivado, para então formalizar-se o casamento, hoje em dia menos pessoas têm o desejo de se casar de maneira formal, e procuram constituir suas famílias das mais variadas formas. A partir da Constituição Federal de 1988 a união estável foi reconhecida como uma entidade familiar. Isto é, uma união entre duas pessoas que é duradoura, pública e no intuito de constituir uma família, mas sem a formalização de um casamento. Essa é uma situação de fato, ou seja, não precisa necessariamente ter papel assinado (ainda que se recomende! mais informações abaixo) e pode ser comprovada posteriormente através de prova de testemunhas, documentos que atestem que o casal morou junto ou que se via como uma unidade familiar. 

Para fins legais, a união estável é equiparada a um casamento. Embora não precise ter nada assinado no papel, vale como se fosse um, inclusive para a finalidade de partilha dos bens que forem adquiridos durante essa relação por qualquer uma das partes.

Porém, existem situações que podem ficar um pouco confusas, como no caso de um casal de namorados de longa data, que partilha de muitas coisas em comum, mas que não se vêem como se casados fossem. Será que com o término desta relação, poderá haver implicações jurídicas? Será que Maria terá de partilhar o apartamento que comprou com o seus próprios recursos com João?

Em primeiro lugar, é importante que se faça a reflexão a respeito da natureza da relação. Afinal, a grande diferença entre um namoro e uma união estável é justamente o desejo de constituir uma família, que é um fator subjetivo e envolve os desejos particulares das pessoas envolvidas. Vale frisar que constituir família não significa necessariamente ter filhos – um casal pode ser uma família e contar com os mesmos direitos, bem como duas pessoas podem ter um filho e não terem um relacionamento amoroso.

Em namoros longos, por mais que haja afeto e muitas vezes trânsito entre as famílias e, quem sabe, às vezes até um desejo de ter uma família no futuro, muitas vezes a diferença pode ser bastante sutil. Por outro lado, há casais que vão morar juntos e constituem união estável de fato logo no início do relacionamento. Assim, é importante que ambas as partes tenham claro entre si qual é a natureza da relação. Caso se entenda que esta é uma relação de namoro, alguns cuidados devem ser tomados. 

Quando fazer o contrato de namoro?

A união estável não regularizada terá os mesmos efeitos de um casamento no regime de comunhão parcial de bens. Assim, em caso de separação, tudo aquilo que for adquirido por uma das partes poderá ser alvo de partilha, ainda que o outro não tenha contribuído financeiramente para a aquisição desse bem. Além disso, poderá haver também direito à pensão alimentícia. Também pode haver direitos sucessórios, como direito à pensão por morte ou à herança, em caso de morte da outra pessoa. Dessa forma, a fim de se resguardar, sendo o caso de um namoro e não de uma união estável, alguns cuidados devem ser tomados. 

Hoje em dia, o principal critério utilizado para distinguir esses dois tipos de relação acaba sendo a coabitação, pois é muito costumeiro que pessoas que desejam ter uma família decidam morar juntas. Mas nem sempre essa é a realidade. Em razão de dificuldades financeiras ou de outras razões circunstanciais, como ocorreu para muitos casais na pandemia de Covid-19, um casal de namorados(as/es) pode optar por dividir uma casa para cortar gastos ou se auxiliar nas tarefas domésticas, sem que isso signifique que as duas vidas foram de fato “misturadas”, como costuma ocorrer com o casamento. 

Mas como o critério legal é subjetivo, ou seja, se as pessoas se vêem como se casadas fossem e se apresentam assim perante a sociedade, pode ser interessante formalizar esse entendimento mútuo em um contrato de namoro, no qual se estabelece que as partes envolvidas se vêem como namorados(as/es) e não como uma família. Neste contrato é possível estabelecer várias cláusulas como prazo de validade, registro de bens pessoais, guarda de pets em caso de separação, pensão, guarda e alimentos de filhos (sendo estes em comum ou não), entre outras que o casal entender pertinentes. Por conta das particularidades, o ideal é que o casal se consulte com uma advogada de sua confiança a fim de garantir que o contrato esteja ok. Para maior segurança, é interessante que esse contrato seja levado a um cartório de notas, a fim de que tenha seus efeitos tornados públicos e com isso ter toda a garantia legal. Importante também destacar que o contrato de namoro pode ser realizado por casais hétero ou homoafetivos.

Vale frisar que o contrato de namoro, contudo, apesar de ajudar a estabelecer qual é o desejo de um casal em determinado momento, não é uma prova inconteste. Pois como o fator de constituição de uma união estável é o desejo íntimo das partes, mudando-se o cenário, é possível que o contrato perca seus efeitos jurídicos, pois a realidade deixou de corresponder ao que foi discutido anteriormente. De toda forma, é uma boa prova para atestar que naquele momento em específico as partes não se viam como família e tal prova é admitida nos tribunais, além de provocar conversas entre o casal sobre a sua relação e deixar tudo combinado entre eles.

Por Ana Paula Braga, Marina Ruzzi e Stephanie Palacci, advogadas especialistas em direito das mulheres e integrantes da Braga & Ruzzi Sociedade de Advogadas [direitos autorais reservados].

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