O que fazer em caso de estupro?

[Edit: esse post foi editado para entrar em conformidade com Lei n. 13.718/2018, promulgada em setembro de 2018, e que alterou o tratamento do Código Penal aos crimes sexuais]

Neste texto iremos abordar o que deve ser feito em casos de violência sexual: o que a lei entende por estupro, como denunciar e as principais dificuldades enfrentadas.

O que é estupro?

De um modo geral, a lei entende que o estupro é constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Ou seja, para que se configure estupro, não é necessário que haja penetração vaginal, basta que seja qualquer tipo de ato que gere prazer (ainda que meramente psicológico) para o agressor. Sexo oral, passada de mão e até mesmo um beijo forçado pode configurar estupro.

Uma questão polêmica ainda é a respeito do que se entende por “violência ou grave ameaça”. Entendemos que não é necessário que o agressor coloque uma arma na cabeça da vítima ou ameace matá-la. Se a mulher disse “não” e o agressor continua insistindo, esse tipo de atitude poderia ser caracterizado como estupro, uma vez que houve um constrangimento grande, ainda mais quando colocado na perspectiva da desigualdade de gênero.

Agora, com a aprovação da Lei n. 13.718/2018, que criou o crime de importunação sexual, os estupros cometidos sem o emprego de violência ou grave ameaça provavelmente serão enquadrados nesse novo delito, que possui pena de 1 a 5 anos de reclusão.

Há também a figura do estupro de vulnerável, que é mais delicada e merece uma atenção especial. Isso acontece quando se estupra uma pessoa menor de 14 anos ou então alguém que não está em condições de consentir. É o caso, por exemplo, de pessoas com algum tipo de doença psiquiátrica ou então que estão profundamente embriagadas, ou sob efeito de substâncias entorpecentes. Este é um crime mais grave e, por conta disso, conta com uma pena mais severa. Seu principal distintivo é que não é necessário ter ameaça, violência ou constrangimento: o mero ato sexual ou ato libidinoso já é suficiente para caracterizar estupro de vulnerável, uma vez que se entende que a pessoa não tem condições de consentir com essa prática. Esse tipo de ocorrência é muito comum no contexto da juventude, especialmente em ambiente universitários.

Estupro no Brasil

De acordo com levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2014, um estupro é notificado no Brasil a cada 11 minutos. Esse tipo de crime é muito subnotificado, dada a sua natureza. Dessa forma, esse tipo de estatística oficial é bastante assustadora, pois retrata uma pequena fração de um fenômeno que atinge muitas mais pessoas. Dentre esses casos que foram notificados, quase 70% foram praticados por pessoas próximas à vítima: familiares ou namorados ou amigos.

O que fazer em caso de estupro?

Antes de mais nada, é muito importante entender que NUNCA É CULPA DA VÍTIMA.

Se a violência acabou de acontecer, é importante que a mulher cuide de sua saúde: procure um hospital ou posto de saúde o mais rápido possível para tomar o coquetel retroviral e a profilaxia da gravidez.

Já no âmbito jurídico, é importante que ela se dirija o quanto antes a uma delegacia. No geral, as delegacias da mulher são mais indicadas para esse tipo de ocorrência. Ao chegar lá, a vítima deve relatar o que lhe aconteceu a um escrivão e pedir para ser encaminhada para a realização de um exame de corpo de delito, bem como para receber o coquetel anti-retroviral e a profilaxia da gravidez (se ainda não tiver passado por atendimento médico). Todos esses procedimentos são gratuitos.

Caso o crime tenha acontecido antes de 25/09/2018, e a mulher tenha interesse em ver o seu agressor ser processado criminalmente, ela deve fazer a representação. Ela tem o prazo de 6 meses após a ocorrência do fato para fazer essa representação. Sem ela, o Estado não pode dar andamento à abertura do inquérito, nem à ação penal.  Passado esse prazo, infelizmente não há mais como tomar providências na esfera criminal.

Esse prazo de 6 meses deixou de existir com a aprovação da Lei 13.718/2018, mas só vale para os crimes cometidos após a entrada da nova lei em vigor, isto é, após 25/09/2018. Agora, caso tenha ocorrido o estupro de vulnerável, também não é necessário que haja representação. Basta que o Estado tenha conhecimento da ocorrência (por meio do boletim de ocorrência) para que ele dê prosseguimento às investigações.

Para isso, a mulher não precisa de advogada, mas costuma ajudar bastante, especialmente pois os ambientes das delegacias costumam ser hostis a esse tipo de crime.

Principais dificuldades

Buscar reparação para um crime de estupro não é nada fácil. Não apenas é difícil para a vítima levar uma denúncia adiante, pelo receio de ser exposta ou mesmo pela dificuldade de se reconhecer enquanto vítima de estupro, como encontra muito entraves. A começar pela própria delegacia de polícia, a qual se mostra muitas vezes despreparada para lidar com esse tipo de situação, deixando que a mulher espere excessivamente, desencorajando-a a seguir adiante com a denúncia ou se recusando a fazer o pedido de exame de corpo de delito. Caso haja resistência por parte das autoridades policiais, é possível fazer denúncia na Corregedoria da Polícia Civil. Esse tipo de denúncia costuma ser minimamente eficaz, ainda que sopesando os efeitos psicológicos que podem acarretar na vítima.

Além disso, outra dificuldade que se enfrenta é a de haver uma supervalorização da prova do exame de corpo de delito. Como o crime de estupro não necessariamente teve penetração vaginal ou anal, muitas vezes não deixa vestígios. Mesmo quando há penetração, dependendo de como foi feito ou até mesmo do tempo que a vítima levou para ir às autoridades, pode ser que ele se mostre inconclusivo. Nesse tipo de caso, a palavra da vítima deveria ter um peso maior, mas não é isso que se verifica na prática.

Temos de lutar contra muitos fatores para podermos mudar essa realidade. É necessário combater essa cultura de naturalização do estupro e do silenciamento. É importante criar uma cultura de denúncia e de responsabilização. Infelizmente, é apenas com a massificação das denúncias e com algum sofrimento de muitas vítimas que será possível que as próximas consigam ser devidamente defendidas com menos entraves. Sigamos fortes!

 

Por Ana Paula Braga e Marina Ruzzi, advogadas especialistas em direito das mulheres e sócias da Braga & Ruzzi Sociedade de Advogadas.

10 comentários em “O que fazer em caso de estupro?”

  1. meu caso e um tanto incomum.Sou casada a 44 anos e so mantive meu casamento em respeito aos meus filhos
    tive problema serio em 1992 quando meu marido engravidou a nossa empregada.Desde então talvez pelo trauma vivido na época
    nunca mais contratei ninguém para evitar novo sofrimento tanto e que tomo antidepressivo ate hoje.
    evido ao um problema de retinopatiadiabetica do meu marido e como ainda trabalho fuo obrigada a contratar alguém para não deixa–lo sozinho pois devido a doença ele perdeu a visão.
    a pessoa que contratei na segunda semana de trabalho já começou a ser assediada por ele.
    Hoje veio a triste confirmação de que mesmo cego continua o mesmo canalha.
    Na parte da tarde ainda estava trabalhandoe ele fez investidas dando dinheiro para tentar compra-la em seguida chamou ela no quarto pediu para sentar-se na cama e ela na maior confiança o fez .Em seguida mandou que ela deita-se com ele e deixou claro que queria algo mais.Propos fazer sexo com ela dizendo palavras ofensivas.A noite ela me ligou pedindo para sair do trabalho em minha casa pois além da vergonha e constrangimento teve que sair correndo para escapar.Fiquei triste e como não e a primeira vez preciso de ajuda para resolver essa situaçao lastimável.estou disposta a acabar com isso pois nem empregada posso ter e jamais abrirei meus direitos ao meu trabalho.O que faço. Sei que assedio sexual e crime e mais ainda tentar violenta-la dentro da minha casa.Att gerci

    1. Oi Gerci. Sentimos muito que você esteja passando por isso. Em relação ao assédio, somente a vítima pode fazer a denúncia. Quanto ao seu casamento, se você não deseja mais esta convivência, a saída é mesmo o divórcio. Para saber quais são seus direitos, é preciso analisar com maiores detalhes sua situação, o que podemos fazer através de uma consulta. Abraços

    1. Oi Isabella. Se a vítima for menor de 14 anos na época dos fatos, ou se estava sob forte influência de álcool, drogas ou qualquer elemento que retire sua capacidade de consentir, esse prazo de 6 meses não se aplica. Para as outras hipóteses, infelizmente não há como pedir providências na esfera criminal. Mas a depender das suas provas, pode ser possível uma ação por danos morais. Para verificar essa possibilidade, consulte uma advogada. Abraços

  2. bom dia!
    A Muito tempo venho sofrendo com o marido de uma amiga , que me manda fotos Nu , faz investidas graves , sempre tenta algo qdo estamos sobre efeito do alcool.
    mas no ultimo dia 05/01 eu e minha amiga saímos e bebemos muito , ela disse para eu ir p casa dela , dormir la .
    dormimos eu e ela no sofa juntas , quando acordei ele estava me tocando , levantei na hora e vi que minha calça estava aberta e body q eu usava também… Fui embora na hora e não contei a ela por dó , e pq ja aconteceu com outra amiga nossa e ela contou para ela , porem ela não acredito.
    nesse momento me senti suja , imunda , como se a culpa fosse minha, mais não é.
    ate q dividi com outra amiga o que aconteceu e ela teve a coragem de contar para nossa amiga q é casada com esse mostro.
    tenho 4 testemunhas que podem depor que ja passaram pela mesma coisa , que ele fez o mesmo, so não no mesmo lugar.
    dessa vez acredito que tenha sido a pior , pq ele fez tudo isso com ela deitada junto comigo.
    isso mostra que realmente não tem medo do que possa acontecer , pois sabe que por amizade a esposa dele , não teríamos coragem de segui a frente.
    gostaria de saber como posso proceder , se somente as testemunhas ajudariam no caso, se preciso levar elas junto para fazer a denuncia.

    desde agradeço

    1. Oi, Mayara, tudo bem?
      Não podemos imaginar quão difícil é tomar esta decisão. De toda forma, é importante que você denuncie sim. Num primeiro momento, não é necessário que você leve as testemunhas. Após a lavratura do BO, será iniciada a investigação policial pelo crime de estupro de vulnerável, e você poderá indicar testemunhas. É muito bom que você já tenha tantas pessoas dispostas a testemunhar, pois esta é uma prova relevante. Boa sorte!

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  5. Fazem 2 anos que conheci uma menina e ela se tornou uma amiga muito importante, e desde que nossa amizade ficou mais forte ela me contou sobre a relação dela com a mãe e com o padrasto, a mãe priva ela de tudo e já disse pra ela que se tivesse que escolher entre ele e a filha, escolheria ele. O padrasto dela é um homem machista e velho, que influencia a mãe dela a fazer tudo o que ele quer, e ele passa a mão na minha amiga, bate na bunda dela, beijou ela a força e ameaça ela para que ela não conte nada. Minha amiga vai fazer 17 anos esse ano e não tem provas de nada disso, mas ela entrou em depressão e tem muito medo, pois eles só deixam ela sair de casa para ir pra escola e o resto do tempo ela passa sozinha na casa com o padrasto. Não sei o que fazer, mas as coisas estão piorando, preciso ajudar ela!
    Me dê uma luz do que fazer, por favor

    1. Oi, tudo bem? Imaginamos sua angústia. Sua amiga tem algum outro parente para dar apoio?
      Ela pode tentar ajuda na escola, contando o caso para alguma professora de confiança e pedir que a profissional interceda, chamando o conselho tutelar. Ou então você mesma pode buscar o Ministério Público e pedir que intervenham. Abraços e desejamos boa sorte!

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